Collector 73 – motocicletas exclusivas em uma confraria de pilotos

A precoce influência paterna e o ímpeto de exercitar a criatividade, aliados ao fascínio pelas duas rodas, plantou uma ideia persistente na cabeça do administrador de empresas Carlos Delgado de Carvalho: materializar uma coleção exclusiva de motocicletas customizadas atreladas ao melhor do espírito do motociclismo em uma espécie de confraria movida a amizade, paixão e, claro, motores. Foi a partir dessa faísca que, em 2014, Carlos deu o primeiro passo rumo a uma ideia com um objetivo bastante claro: projetar e desenvolver uma coleção particular de 73 motos customizadas que herdariam seu latente DNA de designer e projetista. Neste mesmo ano, finalizou sua motocicleta número 1, projeto de customização de uma Ducati 749 para sua companheira. A partir daí, não parou mais.

Ducati 749 Dark Collector 73
A número 1: Ducati 749 Dark. Declaração de amor motorizada.

 

Ducati 749 Dark Collector 73

 

O número 73 não tinha absolutamente nada de místico ou algo do gênero. Como bom administrador, Carlos colocou em prática o método no qual todo projeto tem de ter um objetivo macro bem delineado e, para chegar nesse grande objetivo final, é preciso “quebrar” o desenvolvimento em tarefas menores para subir um degrau de cada vez em um progresso consistente e constante. Cada motocicleta, até a derradeira número 73, seria uma tarefa rumo à finalização da ideia como um todo.

Além disso, 73 era o ano de nascimento de Carlos, provando que é um homem de bem com o passar dos anos e sem vaidades. Afinal, não é todo mundo que entrega a idade assim tão fácil sem pestanejar. O numeral tornou-se praticamente um mantra. E dele nasceu o nome da coleção: Collector 73. Pra não deixar dúvida deu uma de maluco, talvez para ser um lembrete para ele mesmo, como uma espécie de post it na geladeira lembrando-o todos os dias do que se propôs a realizar, e alterou o número de seu escritório no bairro do Itaim (São Paulo) para… advinhe? 73, claro. Essa foi fácil (Se foi fácil com a prefeitura aí é outra história).

Carlos Delgado Rodando
Carlos Delgado e sua motocicleta número 2, uma Ducati 1198

 

Carlos Delgado Track Day
Carlos em um Track Day: pilotagem também nas pistas.

 

Carlos na moto do seu pai.

 

Bom, customizar uma motocicleta desde o primeiro esboço até o resultado final não é exatamente uma tarefa pequena e muito menos fácil. Mas, mesmo assim, Carlos não esmoreceu e partiu imediatamente para uma segunda moto, dessa vez uma Ducati 1198, para ele. A terceira foi dedicada ao pai que lhe deu o presente do amor pelo motociclismo: uma belíssima Kawasaki ZR1000. Já a quarta moto foi encomenda de um amigo próximo. E assim, começando em família, o vírus da Collector 73 foi se espalhando aos poucos para os círculos de amizades próximas.

Ducati 1198 Collector 73
A número 2: Ducati 1198. Só para consumo próprio.

 

Ducati 1198 Collector 73

 

Kawasaki ZR1000 Collector 73
A número 3: Uma Kawasaki ZR1000 para o pai.

 

Carlos Delgado e seu pai, Paulo Delgado
Carlos Delgado e seu pai, Paulo Delgado

 

Só havia um pequeno problema. Como se dispor a manter, guardar e rodar devidamente com 73 motocicletas? Isso sem contar o provável custo financeiro. Carlos tinha um problema. Ou passaria o resto da vida cuidando de 73 filhos mecânicos e rodando até para ir ao banheiro ou teria de pensar em alguma solução para evitar que fosse internado em um hospício. A quarta moto já havia saído de suas mãos e garagem, mas acabou voltando por que o amigo que a encomendou acabou mudando de ideia e, obviamente, Carlos ficou com a moto para ele.

 

Triumph Speed Triple 1050 Collector 73
A número 4: Triumph Speed Triple 1050 rejeitada de bom grado.

 

Desse pequeno inconveniente logístico, financeiro e operacional Carlos decidiu que poderia projetar as motocicletas e oferecê-las já prontas para amigos próximos, mantendo sua assinatura. Mas como faria para ter a moto a mão sempre que quisesse? Do imbróglio veio a solução mais do que natural: o Collector 73 seria uma confraria, uma espécie de clube onde seu “sócio”, ao comprar uma motocicleta, também faria parte de um grupo seleto que se proporia a rodar com as motos, participar de eventos, tanto os mais pessoais  e intimistas quanto os maiores. Até porque uma das premissas é fazer motos para rodarem e não para figurarem como troféus poeirentos em um pedestal na sala de estar de algum bacana ou mesmo cobertas com uma lona barata em alguma garagem remota. A partir desse ponto, como costuma afirmar, Carlos passou a colecionar as suas motos na garagem dos amigos.

Essa concepção ajudou Carlos a delinear muito mais claramente o projeto e estabelecer algumas regras para que sua ideia continuasse da melhor forma possível. Com a premissa de que as motos deveriam rodar em grupo sempre que possível, naturalmente se desenhou uma barreira geográfica não necessariamente antipática e sim prática e pragmática. Para se ter uma moto da Collector 73 era necessário proximidade física, mais especificamente estar na capital do estado de São Paulo ou perto o bastante para participar ativamente da programação da confraria.

 

Collector 73 em movimento
Collector 73 em movimento

Collector 73 em movimento

Em 2020, a infelicidade da pandemia da Covid-19, ironicamente, acabou dando mais tempo para que Carlos se dedicasse ativamente ao projeto. E foi justamente nesse período de pouco mais de dois anos que as coisas começaram a andar mais rapidamente. Das atuais 25 motocicletas entregues até agora, 15 delas foram concebidas e construídas neste período, principalmente pelo fato de aparecerem muitas ofertas de motocicletas base que, antes, em tempos relativamente normais, haviam sumido do mercado já que a procura de motocicletas de passeio acabou despencando (ao contrário do mercado de motocicletas utilitárias que explodiu com a aceleração e consolidação dos serviços de delivery, hoje onipresentes).

No geral, as motocicletas escolhidas pelo projetista são de alta cilindrada e desempenho, herança e preferência de um passado de competição em Interlagos no Pirelli Superbike Series quando corria com o número 73.

Ao longo do tempo, um projeto depois do outro, Carlos foi ganhando experiência, clientes e uma rede sólida de fornecedores. Atualmente trabalha com metal shapers, alguns profissionais de customização e oficinas especializadas em pintura e mecânica. Entre eles Taticahammer, Booze Blevons., Grego Customs, Silvox, Premium Moto Studio, Sr Corse, Cicero Pinturas, Mario Bancos, Vincent Motos, alguns já conhecidos aqui no Motocultura. Junto a esta rede Carlos participa ativamente na concepção dos projetos, mas os construtores também têm papel decisivo e criativo dentro dos parâmetros e expectativas do projetista. É um trabalho há várias mãos, longe de ser uma espécie de ditadura.

No princípio Carlos garimpava as motocicletas base (o que dá muito trabalho), idealizava o projeto e, de acordo com o desenho, escolhia os fornecedores que acreditava terem mais afinidade com aquele estilo de customização. Com a moto pronta, finalmente procurava um segundo pai para a criação. Até porque, por mais estranho que pareça, é mais fácil seduzir e vender a motocicleta materializada, pronta, do que vender uma ideia ainda abstrata em forma de promessa e desenho no papel. Esse processo se deu até a motocicleta de número 21.

 

Ducati 749 Dark Collector 73
A número 21: divisor de águas para uma nova abordagem.

Uma BMW especial e uma despedida

Como uma forma de retribuir e agradecer não só a herança da paixão pelas duas rodas mas também uma vida de companheirismo, exemplo, amor e carinho, Carlos decidiu projetar uma moto para seu pai, Paulo Delgado, para que se aposentasse em grande estilo.

Como viveram grandes aventuras juntos indo ao Atacama e Patagônia, nada mais adequado que partir de uma grande aventureira. A escolha foi uma BMW R1150GS. Paulo acompanhou de perto todo o processo.

BMW R1150GS
BMW R1150GS: aventureira modificada para o pai

 

As mensagens trocadas entre pai e filho sobre a moto você confere a seguir.

Carlos: Bom dia pai! Testada e aprovada. Tá animal a moto! Acho que você vai gostar!

Paulo: Estou emocionado, filho. Essa história toda começou com você, ainda garotinho, desmontando, reformando e pintando comigo sua primeira bicicletinha, aquela que havia ganho usada de seu primo. Escolheu pintar ela de preto porque era a cor da minha CB550 na época, lembra?… Depois, já jovenzinho, montando comigo sua primeira mountain bike, adaptando marchas naquela Caloi pesada, nesta mesma oficina da nossa casa onde agora acompanho todas as suas criações, verdadeiras obras de arte.
Não tem nada mais emocionante do que essa homenagem daquele que foi sempre meu melhor e constante parceiro, não só de duas rodas mas de toda vida.
Obrigado Senhor.

Projeto especial de filho para pai

 

Tristemente, em novembro de 2021, pouco depois da motocicleta ficar pronta, Paulo faleceu, antes de poder andar na motocicleta construída para ele. Mas com toda a certeza, ainda em vida, se orgulhou e se encheu de alegria frente ao amor e dedicação do filho. Involuntariamente, a BMW tornou-se uma materialização do amor entre pai e filho. Carlos hoje sente saudades do “véio”, piloto e super companheiro de muitas viagens e rolês.

 

Duas rodas em família: Carlos na garupa de seu pai.

 

Aventura a dois no Atacama

Ajuste de processos e uma nova abordagem

Atualmente o curso foi ajustado. Hoje, além de vender as motocicletas prontas, Carlos também prospecta o desejo de um potencial cliente, desde que haja  sinergia com a proposta do acervo da Collector73. Ele desenha o projeto e direciona a compra da moto adequada à visão do cliente. E isso evita muita, mas muita dor de cabeça. Qualquer um que trabalha com customização sabe que, talvez, um dos passos mais importantes é a escolha da moto de acordo com o estilo de customização. Para ilustrar de maneira clara, imagine um cliente que tem uma Harley Davidson típica, custom, e dela quer fazer uma cafe racer. É possível? Sim. Sempre é. A questão é que o trabalho será imenso e o custo, consequentemente, altíssimo. Partir da moto mais adequada torna tudo muito, mas muito mais fácil em todas as etapas do projeto.

E aqui entra um detalhe importante. Quem dirige a criação é Carlos. O cliente não opina. Claro que isso é acertado diplomaticamente com todas as palavras e argumentos antes, para que não haja nenhum tipo de atrito ou conflito como consequência. Carlos quer ler o cliente e surpreendê-lo, coisa que, de certa forma, marcas de luxo e qualidade fazem o tempo todo. O acordo funciona mais ou menos como uma consultoria. Carlos se coloca como o especialista e como a figura que faz a ponte importantíssima entre o desenho e o trabalho dos construtores. Até porque a ideia é que a motocicleta leve a assinatura do Collector 73. E a gente sabe que o que mais tem por aí é cliente que não conhece absolutamente nada sobre customização, não conhece as possibilidades, os estilos e, por isso, não tem a mínima condição de fazer uma moto harmoniosa e bem acabada. Na maioria das vezes é aquele cliente que não tem nem a mínima ideia do que quer. E deixar esse sujeito apitar no desenho e na construção da moto é a receita para o desastre que acaba colocando todos os dias nas ruas projetos de motocicletas Frankensteins mutiladas e horrorosas de todas as maneiras. A ideia de uma espécie de grife e controle de qualidade Collector 73 jamais pode deixar esse tipo de coisa acontecer. Uma curiosidade: a construção é sempre silenciosa. O cliente não recebe fotos do processo no melhor/pior estilo “Deixa eu ver como está ficando?”. De certa forma isso cria zero ruído entre cliente, projetista e construtor. No fundo, estabelece-se uma relação de extrema confiança entre cliente e projetista, como na verdade deve ser, criando e fortalecendo um laço de proximidade e amizade entre os integrantes/pilotos do grupo Collector 73.

Acompanhe um passeio da Collector 73 em vídeo:

 

Portanto, além de eventualmente vender as motocicletas prontas, Carlos agora vende um projeto, uma consultoria e, claro, uma confraria amarrando toda a ideia inicial de um grupo coeso e pronto para participar de eventos, passeios ou até mesmo um churrasco informal no quintal da casa da Collector 73. O cliente não compra apenas uma motocicleta, ele leva de bônus um estilo de vida e um grupo de entusiastas com paixões e afinidades em comum.

Os dois modelos de trabalho, vender o projeto finalizado ou vender a ideia inicial, tem suas particularidades e dificuldades.Um projeto pronto tem de achar o dono certo, que bate o olho na moto e pensa “É a minha cara”. E isso não é lá muito fácil já que customização é algo bastante particular e pessoal. Por outro lado, agora com um portfólio consistente de motocicletas prontas e rodando, Carlos tem muito mais argumentos e chancela para vender apenas a ideia inicial e pedir a confiança do cliente para entregar algo dentro dos padrões de exigência e qualidade da Collector 73 pois, de certa forma, o cliente sabe o que esperar e o fato do futuro proprietário fazer parte de um seleto grupo também auxilia no argumento de convencimento.

No fundo, a intermediação e exigências da Collector são um fator facilitador e um controle de qualidade muito bem vindo. O eventual encontro de um construtor muito aberto aos desejos de um cliente sem muito conhecimento e que não sabe muito bem o que quer pode resultar em uma motocicleta que, quando concluída, não vai agradar nem um e nem o outro e, provavelmente, mais  ninguém. E acredite, isso acontece o tempo inteiro. A rédea curta de Carlos, além de fazer com que o processo flua mais leve e eficiente, também evita surpresas desagradáveis e contratempos. Querendo ou não a Collector faz uma curadoria de motocicletas e também de público. Mas não de uma maneira elitista ou  esnobe. São meios que justificam os fins. É prático e objetivo visando uma meta clara e bem delineada. Sair desse método arruinaria a ideia como um todo. O cliente da Collector tem de ser aquele cara que entende o valor de um projeto e não somente o preço.

A propósito, falando em preço, não, Carlos não ficou rico com sua empreitada. A concepção é aberta e declaradamente um hobby (remunerado, obviamente) que intenta ser prazeroso trazendo curtição, experiência, habilidade e conhecimento. Todo  mundo sabe que customização é um ramo de atuação extremamente difícil e não deixa ninguém numa situação financeira relativamente confortável. Na maioria das vezes a conta nunca fecha. Se dividir o preço do projeto pelo tempo gasto desde o desenho inicial até a entrega da moto, o valor mensal que se recebe não é nada demais. Até porque a capacidade de produção de Carlos hoje é de 6 ou no máximo 7 motos por ano. Poderia ampliar a rede de fornecedores e assim conseguir produzir mais em menos tempo? Provavelmente. Mas isso criaria um caos de gestão que Carlos não deseja já que os projetos são feitos com todo o cuidado e atenção que merecem. Ou seja, o negócio em si não é escalável e Carlos nem quer isso pois, lembre-se, quando a moto de número 73 sair da oficina, o objetivo final estará concluído. E a partir deste ponto Carlos quer partir para uma outra empreitada, talvez envolvendo a própria marca Collectors 73, só que em outras frentes e de uma outra maneira.

Mas então, o que é preciso para ser parte do Collector 73?

Carlos é claro e objetivo. São três pré requisitos básicos:

1 – ter experiência em duas rodas pra rodar (não é um grupo de motos para ficarem paradas)
2 – a moto tem de estar em São Paulo (capital) por conta dos projetos estarem quase sempre juntos e a mão para eventos e encontros.
3 – compatibilidade de empatia e valores baseados no bom senso. Um grupo coeso tem de ter o máximo de valores e aspirações em comum.
Obs: o valor da moto ou do projeto não interessa. Por mais que o grupo tenha motos de alta cilindrada, uma moto menor cujo aspirante ao clube preencha os requisitos é muito bem vinda.

Confira na galeria as motocicletas da Collector 73.

O Collectors 73 tem um perfil no Instagram que faz sucesso entre customizadores e entusiastas. Mas essa exposição toda que a internet traz já fez Carlos dizer muitos nãos. Recusar projetos, principalmente em função da questão geográfica, acaba fazendo um importante papel de um primeiro filtro.

Instagram da Collector 73: inspiração e referência para o mundo.

 

O mercado da customização e as perspectivas futuras

Indagado sobre as percepções desse mercado de customização, Carlos acha que a pandemia prejudicou um pouco o meio já que acabou afetando praticamente tudo. Mas o pós-pandemia pode ser um momento do mercado voltar com tudo e com força. A própria chegada da franquia Deus Ex Machina ao Brasil nesse período é um sinal claro desse movimento de retorno e consolidação.

Outro ponto importante, frente à crescente onda de violência urbana e roubo de motos, é o fato das customizadas não serem visadas. A maior dificuldade, como sempre, é a legalização dos projetos (a Collector regulariza todos junto ao INMETRO e ao Detran) frente a uma legislação obscura e autoridades pouco tolerantes e flexíveis.

De qualquer forma, Carlos acredita que ainda estamos longe da vibe do mercado Europeu e Americano que, devidamente consolidado, prospera e gera muitas oportunidades e movimentos. Claro que parte do motivo de estarmos ainda patinando é nossa economia sempre cambaleante que traz a desigualdade social e transforma a moto customizada em praticamente um objeto de luxo, limitando muito o mercado.

Com toda sua experiência, Carlos tem uma única e importante dica para quem pretende customizar uma moto: “Pense em um projeto que cabe na moto que você tem. Se for o caso, venda sua moto e compre outra que seja mais adequada a seu tipo de projeto.”

Uma ideia que pode ganhar a luz do dia em algum momento, segundo Carlos, é eternizar a coleção das 73 motos em um livro. Mas isso só depois que a número 73 estiver rodando por aí. Até lá vamos ficar esperando ansiosamente pela coleção completa e pelo livro!

 

Livro: possível projeto futuro

 

Serviço:

Instagram: Collector 73


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