Em uma época onde a garota propaganda das montadoras ainda era seu modelo de maior cilindrada, nascia uma disputa por olhares e suspiros. Disputa essa que movimentou o mercado de motocicletas como nunca e, tamanha briga por atenção, acabou estimulando uma corrida tecnológica e criativa que deu a luz, em 1968, a uma das mais icônicas motocicletas de todos os tempos: a Honda Cb750, modelo que colocou a empresa de Soichiro Honda nos livros de história (entre muitos outros feitos da gigante japonesa). Obviamente, ninguém queria ficar para trás e, inspirados nesta mesma moto, os engenheiros da Kawasaki levaram a fórmula e o conceito da quatro cilindros um pouco mais longe, melhorando ainda mais o que já parecia incrível. Nascia, em 1972, 4 anos depois, a Kawasaki Z1. Conheça a história da motocicleta que marcou sua geração e sua sucessora espiritual devidamente modernizada e adaptada aos dias atuais.
Até 1968, antes do barulho e comoção criados pela Honda e sua Cb750, motores de quatro cilindros transversais (e até 6 cilindros!) eram coisa de competição e pista e, naturalmente, um laboratório das montadoras no sentido de pesquisar e avaliar novas tecnologias para modelos de rua. Um bom exemplo era a Honda RC166 com seu pouco usual motor de seis cilindros transversal de 250cc. Porém, tais motores eram apenas para os olhares daqueles envolvidos diretamente no circo da velocidade. Mas a história dos quatro cilindros vem de muito antes dos anos 60. Um dos primeiros 4 cilindros de que se tem notícia era criação da empresa bélica belga Fabrique Nationale (FN), em 1905. Só que nestes pioneiros de quatro canecos havia uma pequena diferença que perdurou por anos a fio: o motor era em linha longitudinal à moto e isso ocasionava um problema crônico que era, naturalmente pela disposição, o aquecimento dos cilindros da parte de trás. E foi exatamente a Honda que teve a sacada brilhante (e simples) de colocar o motor na posição transversal em relação ao quadro das motos. Também foi essa mesma Honda que, finalmente, levou os transversais quatro cilindros para as ruas com sua mítica 750.
A Kawasaki foi a primeiríssima a correr atrás do prejuízo. Iniciou suas pesquisas ainda em 1969. Junto ao estúdio americano McFarlane, desenhou as linhas gerais de sua primeira “big four”. Disso nasceu um protótipo 750cc que nunca chegou ao mercado, com contornos mais quadrados e sóbrios, remontando ao estilo das Kawasaki 2 tempos tricilíndricas de competição da época. Além disso, a montadora adiou o lançamento, previsto para o ano de 1970, para incrementar a capacidade e o desempenho do propulsor para 903cc e, assim, aproximar-se da categoria das 1000cc. Daí veio sua denominação: Z1.
Em 1972, na ocasião de seu lançamento, a Z1 já emplacava de cara dois feitos inéditos: era a primeira motocicleta de grande capacidade com duplo comando de válvulas no cabeçote, o famoso DOHC (double-overhead-camshaft), sendo um comando para a admissão e o outro para o exaustão. Sua concorrente direta, a Honda CB750, tinha comando simples. E pra coroar sua nova rainha, naquele momento, o motor da Z1 era o quatro cilindros mais potente comercializado em uma motocicleta que, com 903cc e seus 81 cavalos, a empurrava com pressa a mais de 210 Km/h.
Posto isso, a decisão de protelar o lançamento com o intuito de melhorar o projeto, foi o movimento da Kawasaki que colocou a Z1 praticamente dividindo o trono de superbike (termo cunhado pelas 750) com sua concorrente da Honda. Sua sucessora natural veio em 1977, a Kawasaki Z1000, que herdou o mesmo look and feel de sua antecessora, como se fosse uma Z1 vitaminada. Um ano depois, em 1978, veio a Z1000 Z1-R que, curiosamente, tinha muito, mas muito das linhas de design do protótipo da Z1 de 750cc desenvolvido em 1969, talvez um reaproveitamento de trabalho que acabou não sendo utilizado na ocasião original.
Curiosidade: em 1983, a Kawasaki atingiu o mesmo feito de 1972. Colocou na rua a GPZ900R, também a mais potente e rápida do mercado de sua época, motocicleta que praticamente definiu o conceito e o estilo das motos esportivas atuais. Você pode ler mais sobre ela e sobre sua fama inesperada no cinema na matéria que escrevemos sobre a GPZ do filme Top Gun.
A nova Z900
A Z900 RS (a sigla RS vem de “Retro Sport”) deu as caras no salão de Tokio em 2017 como parte de uma tendência iniciada pela Triumph e que puxou um trem de saudosismo e o consequente lançamento de muitos modelos recheados de tecnologia atual mas com o visual e o apelo retrô.
O visual inegavelmente foi inspirado nas Z1 originais. O esquema de pintura é praticamente o mesmo sem tirar nem por. Painel com dois grandes mostradores (e um mostrador digital no meio), guidão mais alto e largo e tanque e rabeta também remetem quase que fielmente as linhas da moto de 1972: o tanque em formato de gota e uma elegante traseira que lembra um bico de pato. Mas o resto é tudo do bom e do melhor que as motos atuais podem oferecer. O motor, por exemplo, é refrigerado a água e as “aletas” estão ali só pra remeter a moto original que era refrigerada a ar. E lá estão também as boas e velhas suspensões invertidas com regulagem e o escambau.
O motor de 948cc foi herdado da moderna Z900 (a naked de design de gosto duvidoso que faz sucesso por aí) e retrabalhado pra diminuir a cavalaria para 111 cv (o motor original tem 125cv) e redistribuir a curva de torque para uma pegada mais mansa e domada, visando também pilotos de primeira viagem. Há um controle de tração simples de dois modos: um para deixar a moto na mão do piloto e outro para uma tocada sem surpresas evitando, por exemplo, que a roda dianteira suba em uma acelerada mais empolgada.
Outro item de segurança moderno é a velha conhecida embreagem deslizante (até as Ninjinhas 300 lançadas em 2012 já vinham com ele) que, a grosso modo, é um sistema relativamente simples que evita o travamento da roda em reduções bruscas de marcha. A revista Quatro Rodas tem uma matéria bem bacana explicando o que é o sistema com uma analogia bem simples e didática.
O primeiro vídeo de apresentação, de 2017, é bem bacana – coloca o modelo antigo e o novo lado a lado:
Aparentemente, a única versão que vem para o Brasil em Julho de 2018, segundo a Kawasaki, é a versão lançada em 2017 na cor chamada Candytone Brown. Em outras paragens há mais opções de cores, assim como uma versão “cafe” que tem uma pequena bolha dianteira e um guidão mais baixo. O preço sugerido pela montadora é de R$ 48.990 (em junho de 2018) que, pra ser mais claro e franco, significa 49 mil reais.
No site japonês da marca há um hotsite interessante dedicado a história e evolução da família Kawasaki Z: desde sua primeira encarnação, a Z1 de 1972, até o modelo mais moderno (e horroroso) lançado em 2014 e que parece algum tipo de Decepticon (Transformers) saído de um filme ruim do Michael Bay. Você pode dar uma explorada na linha do tempo da família Z por aqui.
Concorrência retrô indireta
A Z900 RS vem para, sem trocadilhos, correr sozinha na categoria. Se considerarmos como concorrentes os modelos de outras marcas que tem o mesmo apelo retrô, a Z900 RS é a única que tem a “mágica” do 4 cilindros que é praticamente um fetiche (inexplicável) do motociclista brasileiro. E aí tem uma parte boa e uma ruim. A parte boa é que, talvez, o desenho retrô não empolgue os amigos do alheio que, sabe-se, têm um fetiche igual ou maior ainda pelos 4 cilindros e, este mesmo 4 cilindros, pode ser justamente a parte ruim nesse sentido.
De qualquer maneira, existem algumas opções (zero km) de outras marcas. Claro, em estilo, cilindrada, proposta e faixas de preço bem diferentes mas com a mesma pegada de olho no passado que é um dos principais apelos da Z900RS. A brincadeira é comparar as faixas de preço em relação a Z900RS. São elas, da mais cara à mais barata:
Triumph Truxton 1200
R$ 57.990,00
Uma “concorrente” de peso e tão cheia de estilo quanto. Mas tem de tirar o escorpião do bolso sem chorar para pagar 9 mil reais a mais.
BMW R nineT
R$ 55.491,00
Por 6 mil contos e meio a mais dá pra ter uma proposta bem diferente em um motor boxer da marca alemã.
Triumph Bonneville Bobber
R$ 49.990,00
Completamente diferente em proposta por mil reais a mais de diferença.
Triumph Boneville T120
R$ 47.490,00
Pegada retrô em dois cilindros e sobram 1.500 contos pra comprar uns acessórios.
Trimph Street Scrambler
R$ 42,990
Outra proposta bem diferente e que dá pra, teoricamente, colocar na lama. E sobra pra comprar uma Honda Pop 100 pra andar na cidade, fora da lama.
Ducati Scramber
A partir de R$ 38.900,00
Uma Ducati Monster disfarçada de moto off-road. Mas não deixa de ser grife italiana. E sobra pra comprar um CG125 como segunda moto.
Royal Enfield Continental GT
R$ 23.000,00
Para os espartanos de plantão e que só querem um visual retrô sem grandes pretensões. Dá pra comprar DUAS e sobram 3 contos pra fazer uma festa.
Royal Enfield Classic 500
R$ 21.000,00
Aqui dá pra levar duas pra casa e sobra uma CG125 de troco.
Como deixamos bem claro (pra não aparecer ninguém surtando por aqui…), a única coisa que une as motos da lista de “concorrentes” são os modelos que tem a inspiração retrô. São motos diferentes em proposta e preço mas que falam ao ouvido e olhos dos saudosistas. Aí vai do seu gosto e principalmente bolso, saber o que é mais bacana e adequado pra você. Mas lembre-se: moto é como roupa, nem sempre a mais linda e mais cara da vitrine é aquela que é seu número, veste bem e te deixa seguro e confortável. A dica é a mesma de sempre: sempre que puder, ande nas motos, faça um test ride pra conhecer a moto de perto e como ela se encaixa em você. Muitas marcas oferecem test rides regulares, basta se informar e agendar. Se alguma marca não oferece, bem… provavelmente ela não está muito interessada em vender.