O cenário da customização de motocicletas no Brasil

Em julho de 2019 Motocultura disponibilizou um questionário online dirigido aos profissionais de customização e convidou todos a participarem. A intenção era gerar informação suficiente e relevante para traçar um retrato, mesmo que por amostragem, da profissão de customização no Brasil. Seis meses depois, analisamos as respostas e elaboramos um perfil dos profissionais e da profissão. Além disso, diante dos dados, levantamos questões pertinentes e propomos medidas que podem fortalecer a profissão daqui para frente.

As dificuldades da profissão e do Brasil

É sabido que manter um negócio saudável em um país onde a economia é sempre uma incógnita, e onde a burocracia e tributação intrincada confundem e dificultam as coisas, não é uma tarefa fácil. Mas o trabalho de customização de motocicletas tem, basicamente, dois caminhos possíveis: ou trabalha-se para alguém com uma oficina já estabelecida ou abre-se um negócio próprio. A primeira opção é bastante restritiva já que o número de oficinas que demandam funcionários, para um país do tamanho do Brasil, ainda é pequeno e, por conta disso, o mercado de trabalho é muito restrito. Isso faz com que a segunda opção seja a mais viável e possível, abrir uma oficina própria, geralmente, trabalhando sozinho.

Além disso, existe a questão autoral. Modificar motos é um trabalho que ganha contornos de trabalho artesanal e também autoral. Uma das aspirações de qualquer customizador é “assinar” suas criações e projetar seu nome. Portanto, não são todos que estão dispostos a trabalhar com isso colocando o nome de outra pessoa em suas criações. Sendo assim, o caminho de abrir um negócio próprio acaba sendo o caminho mais natural.

Porém, também existe a questão do mercado consumidor. Customização de motocicletas, querendo ou não, é um mercado consumidor bastante restrito. Não é um mercado de massa. Os custos altos do que seria o produto ofertado, em um país onde o salário de praticamente metade da população equivale a um salário mínimo (R$1.000 em 2020), fazem com que a moto customizada seja um produto exclusivo e para poucos. Diante da realidade brasileira é praticamente um artigo de luxo. Obviamente vai da habilidade de cada customizador se adaptar e adaptar seus custos e forma de trabalho em função de seu público consumidor. Tem muita gente fazendo bons projetos por um custo mais baixo hoje em dia.

A legislação em relação a modificação veicular ainda é o grande calcanhar de Aquiles da profissão. A legislação é confusa e completamente suscetível a interpretações e bom humor das autoridades. Isso inibe significativamente a intenção de compra do público consumidor. Ninguém está muito disposto a investir R$ 5.000, R$ 10.000 em um trabalho de customização (sem contar o veículo) para no momento seguinte ser pego em uma blitz policial e ver seu investimento ir direto para o pátio da polícia de onde provavelmente nunca mais vai sair por conta da dificuldade de regularizar o veículo diante do rigor da legislação.

Isso é o que tem gerado um debate que oscila de tempos em tempos nas rodas da profissão e entusiastas. O que fazer para facilitar a legalização dos projetos ou mesmo modificar as leis. Sinceramente não temos a resposta. Mas diante dos números que vamos ver a seguir fica claro que os profissionais da customização tem dever de casa para fazer antes de reivindicar uma legislação mais flexível. É preciso arrumar a casa antes de qualquer coisa.

O perfil do profissional e da profissão

Além de considerarmos aqueles que trabalham diretamente com a modificação de motocicletas, também colocamos na conta os profissionais que de alguma forma tiram seu sustento prestando serviços ou fabricando e vendendo peças e acessórios especificamente para o segmento. Até por que são poucos os customizadores que fazem rigorosamente todo o trabalho. Muitas coisas são comumente terceirizadas como, por exemplo, bancos e pintura. A faixa etária da maioria fica entre os jovens adultos, de 31 a 50 anos de idade e predominantemente homens.

O que se concluí aqui é que a oferta de profissionais (e consequentemente o fortalecimento do cenário) tem grande potencial de crescimento, principalmente entre os jovens. Acreditamos que talvez seja uma boa ideia os profissionais estabelecidos investirem em jovens talentos, criarem programas de incentivo e fomentarem a formação de novos customizadores.

Uma forma de faze-lo é recorrer ao programa do governo federal chamado Jovem Aprendiz. Uma forma prática e fácil de contratar um profissional com dois objetivos: gerar emprego formal e formar profissionais. O custo é relativamente baixo e o contratado não pode ficar mais de dois anos no programa.

O mercado de prestadores de serviço para o setor ainda pode crescer. Corresponde hoje à 30% do total. Um empreendedor mais atento com certeza pode identificar oportunidades latentes. Para fazer crescer o ramo de customização você não precisa necessariamente ser um customizador. Você pode atacar em outra frente que seja uma atividade complementar. Alguns exemplos rápidos são assessoria especializada em legalização dos projetos, renders dos projetos em 3D, acompanhamento de projeto e por aí vai. Basta pensar.

Outro dado interessante é que praticamente metade dos profissionais encaram a customização como uma segunda profissão já que ela não é sua principal fonte de renda. Isso leva a algumas conclusões. Talvez o faturamento não seja suficiente, talvez seja a dificuldade em se formalizar. Mas o que importa é que é uma parcela muito grande que faz com que a indústria da customização perca um pouco de força e representatividade. O ideal é traçar um plano, fazer as contas, se planejar e ver se vale a pena ou não ficar no negócio.

Além disso, a maioria dos profissionais está no mercado há pouco tempo. Mais de 70% trabalham no atividade de 2 a 5 anos. Portanto, ainda é algo, para a maioria, novo por aqui. Isso quer dizer que ainda tem um caminho pra ser trilhado e se estabelecer, tem espaço. 18% dos profissionais estão há mais de dez anos no mercado.

A formalidade do negócio

Eis aqui uma das tarefas de casa para o setor. Mais da 60% dos profissionais exerce a tarefa informalmente. Sendo bem claro e direto, não estão dentro da lei. O trabalho informal não recolhe impostos e não está amparado legal e judicialmente. Basicamente ele não existe e não é negócio. Portanto, qualquer problema que ocorra, o profissional estará entregue a própria sorte. Sem contar que corre o risco de ser pego pela receita federal e terá de arcar com pesadas multas (por sonegação) que podem enterrar de vez o sonho de um negócio próprio.

Um negócio formalizado é uma pessoa jurídica com um CNPJ e com todas as obrigações inerentes a ele. Mas também tem as muita vantagens de estar legalizado. O governo federal vem facilitando muito a formalização de pequenos empreendedores diminuindo a burocracia e facilitando muito o processo de abertura de empresa. Um destes programas é o chamado MEI, Microempreendedor individual, onde a abertura da empresa pode ser feita completamente pela internet em poucos minutos.

Uma empresa informal não pode, por exemplo, participar de licitações do governo (vai saber né, de repente a polícia rodoviária um dia vai andar de motos customizadas). Não emite nota fiscal, o que pode afastar potenciais clientes já que a única garantia do consumidor é a nota fiscal de prestação de serviços. A informalidade também não dá acesso à crédito facilitado. Pessoas jurídicas tem inúmeras vantagens junto a bancos e órgãos de financiamento como juros mais baixos, parcelamentos mais espaçados e desconto em compra de veículos destinados à trabalho. Além disso, um negócio informal não pode de forma alguma ter empregados.

Aqueles que se enquadrarem no MEI são desobrigados de emissão de nota fiscal para pessoas físicas. Mas se o cliente exigir nota, não se preocupe, o processo para conseguir emitir nota é super simples, basta consultar a prefeitura de sua cidade para se cadastrar no sistema de emissão de nota fiscal eletrônica. Além disso, existem muitos serviços no mercado, com valores super em conta, que possibilitam o controle e emissão de notas fiscais para pequenos negócios como o Emitte. É bom lembrar que se você prestar um serviço para pessoa jurídica, a emissão de nota é obrigatória.

Aqui há um artigo bem completo sobre a questão de emissão de notas pelo MEI.

Se você trabalha informalmente está correndo um risco enorme. O problema pode vir de todas as frentes. Um cliente ou um “funcionário” insatisfeito pode, com razão, acionar o poder público e fechar seu negócio com direito a lacre de concreto da prefeitura na sua porta. Informe-se na prefeitura da sua cidade sobre como se formalizar. Pesquise na internet ou recorra ao Sebrae que tem um programa de orientação super bacana e completamente gratuito pra tirar todas as suas dúvidas.

O ecossistema

Como já mencionamos, a atividade de customização envolve mais do que simplesmente um customizador e uma motocicleta. Existem os sócios, funcionários, terceiros, contadores (se seu enquadramento legal exigir 1) e por aí vai.

Aliás, falando em contador, existem alternativas super interessantes e de baixo custo hoje em dia. Uma delas é o Contabilizei, uma startup que é uma espécie de poll de contadores que consegue oferecer um serviço eficiente e com um menor custo em vários planos com vantagens diferentes.

Toda essa cadeia faz parte da indústria de customização e também pode e deve contribuir muito para seu crescimento e profissionalização.

Apesar da maioria trabalhar sozinho ainda persiste a sombra da não formalização do negócio. Para o setor, de nada adianta ter um monte de profissionais atuantes que, para o governo, não existem. Com a formalização vem o direto de ter empregados e consequentemente impulsionar o setor gerando empregos e renda. Inclusive até o regime mais básico, o MEI, permite a contratação de até 1 empregado.

Perceba que a maioria utiliza serviço de terceiros com maior ou menor frequência e, além disso, uma parcela significativa contrata mais de um. Já pensou, por exemplo, em investir em uma impressora 3D e começar a fornecer peças impressas em 3D para este mercado? É uma oportunidade que ainda pouca gente está investindo. A questão é, os serviços agregados a esse universo da customização tem um potencial gigante para crescer e diversificar em termos de serviços. Portanto, serviços terceiros são importantíssimos e podem alavancar ainda mais a atividade.

A saúde financeira

Mesmo que em uma amostragem modesta, conseguimos entender o valor econômico do setor como um todo. Uma parcela significativa, pouco mais de 40% fatura de R$ 500 até R$ 2.000 mensalmente e, portanto, estão dentro da média da maioria dos trabalhadores brasileiros. Aqui vale ressaltar que muitos não sabem exatamente o que é faturamento (falha nossa não explicar na pesquisa) e, portanto, as respostas podem ter duas interpretações. Faturamento é o que entra mensalmente sem descontar os gastos. Não é o lucro. Vamos considerar que as respostas foram em relação ao faturamento bruto. Se eventualmente as respostas dizem respeito ao lucro (tudo que entrou menos os gastos) ainda assim dá pra ter uma ideia considerando a média de faturamento do setor de serviços que fica na média de 25%. Sendo assim, multiplique por quatro os rendimentos mensais para ter uma ideia aproximada do faturamento bruto.

Mas no geral, o alto faturamento ainda é privilégio de poucos, provavelmente daqueles que já estão há mais tempo no mercado.

Perceba que uma parcela enorme se enquadra na faixa de faturamento anual que pode enquadrar e formalizar o negócio como MEI. O teto atual (2020) é de R$ 81.000 anuais o que dá R$ 6.750 brutos mensais.

Outro ponto importante em relação ao faturamento é a questão dos impostos. É crucial ficar de olho nisso. No regime de MEI os impostos são condensados em um único pagamento mensal que fica um pouco mais de R$ 50,00 mensais. E você não tem burocracia e dor de cabeça. Se seu faturamento ultrapassar os R$ 81.000 anuais obrigatoriamente você deve migrar para outra classificação de empresa e consequentemente outro regime tributário. E esse regime pode variar de 5% até 27% na área de prestação de serviços. Portanto, muita atenção na hora de cobrar seus projetos. Saiba corretamente seus impostas para não correr o risco de sua margem de lucro ser engolida pela tributação. Calcule sempre o percentual de impostos no valor cobrado.

Outra curiosidade é que a maioria atende regionalmente. O que é natural para um tipo de serviço que exige contato constante com o cliente por um período significativamente maior de tempo. A minoria atende clientes de outros estados e de outros países.

A legalização dos projetos

Como já é sabido, o assunto da legalização dos projetos é um assunto longo e complexo. Não temos uma solução definitiva mas temos dicas de como tornar sua vida mais fácil de algumas maneiras. Mais de 35% dos profissionais não legalizam ou deixam a cargo do cliente faze-lo. Novamente, entregar o cliente aos corredores da burocracia é um fator que diminui sua competitividade. Você pode encontrar um despachante especializado nessa tarefa pra tê-lo como parceiro e oferecer isso para seu cliente.

Além disso, deixar a cargo do cliente abre uma porta pra cliente mal intencionado. Se algo acontecer com a motocicleta ele pode muito bem se fazer de desentendido e com o amparo da lei colocar a culpa em você. Para evitar esse tipo de coisa é altamente recomendável que você faça sempre um contrato de prestação de serviços no qual tudo fique muito claro em relação a legalização. Um contrato assinado de prestação de serviços é sua garantia de que o cliente sabia que você não legaliza os projetos e a responsabilidade é dele. De certa forma, um contrato de prestação de serviços é algo que protege tanto o cliente quando o prestador de serviços. Mas tenha em mente que com um contrato vem responsabilidades. O cliente pode colocar em contrato prazos e entregas que, se não forem cumpridas por contrato, você pode ficar bem mal na foto. Portanto, antes de elaborar um contrato, tenha certeza de que você está organizado e preparado e sabe muito bem da sua capacidade de trabalho e entrega.

A legalização tem vários caminhos. A gente não pode tampar o sol com a peneira. Sim, existem os meios obscuros. Existem os despachantes com “contatos” que podem fazer tudo pra você. Mas é uma caixa preta. E se eventualmente alguém do “esquema” for descoberto, há uma chance de respingar em você. Não vale a pena correr o risco. Existem os despachantes que podem fazer tudo da forma correta? Existem. Mas tenha em mente que o custo não é barato. No final das contas, o caminho mais “fácil” e o mais difícil acabam tendo praticamente o mesmo custo. A diferença é o tempo que se leva. A dica que temos é que, antes de qualquer coisa, consulte o código de trânsito, autoridades e até mesmo um advogado especializado. Ficar perguntando na internet não ajuda em nada e só vai deixá-lo mais confuso. Recorra a quem entende do assunto e realmente pode te ajudar.

A conclusão

Pelo fato do setor ainda ser relativamente pequeno e ter espaço pra crescer, dá pra ver pelos números que ele ainda está um pouco confuso e bagunçado. Não veja isso como um puxão de orelha, mas veja como uma série de dicas e sugestões que podem ajudar você a se profissionalizar ainda mais e consequentemente fortalecer o setor para, a partir daí, ter força e representatividade para cobrar e questionar o poder público nas questões que dizem respeito a profissão.

A gente sabe como é difícil empreender e ainda mais empreender numa área que exige muito física e mentalmente. Mas a gente está aqui para ajudar e esperamos que esse material traga algum tipo de ajuda para você. E qualquer dúvida, estamos sempre a disposição para tentar ajudar a clarear e simplificar as coisas. Boa sorte e bom trabalho a todos e continuem fazendo projetos incríveis!


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