No final dos anos 70 e início dos anos 80 a fórmula de sucesso das chamadas Universal Japanese Motorcycle, mesmo com pouco tempo de vida (10 anos), já mostrava sinais de cansaço. O termo referia-se ao padrão de motocicleta japonesa introduzido em 1969 pela icônica Honda CB750 e seguido à risca pelas outra fabricantes. A fórmula era relativamente simples: motorzão potente e pau pra toda obra, tanque grande e sem grandes firulas, ergonomia mais ou menos e um banco reto por cima de tudo onde o piloto “sentava” em cima do conjunto.
Em termos de design, as grandes japonesas eram mais ou menos réplicas maiores de motos pequenas, seguindo o mesmo padrão estrutural e de estilo. Em um movimento ousado, sendo vista e sabida como uma das mais conservadoras das grandes japonesas na época, a Suzuki decidiu apostar no design para chamar a atenção. E, praticamente sem se dar conta, estabeleceu as linhas básicas do que seriam as motos esportivas e super esportivas dali em diante. Nascia uma moto polêmica que, dada sua estranheza inicial, a imprensa especializada tratou de sentenciar que seria um fracasso de vendas. Mas o que chegava as ruas no inicio dos anos 80, uma época em que se sonhava em como seria o futuro, época de Star Wars e ficção científica a mil, seria um ícone de estilo chamado Suzuki Katana. E que, contra todas as previsões pessimistas, foi um sucesso.
O começo de tudo foi a contratação de um estúdio de design de fora da casa. Para a missão de fazer algo completamente diferente (esta era basicamente a principal orientação da Suzuki em relação ao trabalho) o estúdio alemão Target Design foi chamado. Liderado por Hans Muth, ex designer chefe da BMW e responsável por nada mais nada menos que o desenho dá classica BMW R90S, a Target trabalhou em dois protótipos.
A ideia original foi concebida para uma moto de 650cc e sem a característica semi-carenagem que tornou-se praticamente uma marca registrada da Katana. Tal conceito deu a luz de fato a uma Katana sem carenagem mas que já continha muito do DNA da Katana e DNA que seria característico das esportivas modernas. Uma moto mais esguia, com tanque esculpido integrando-se a um banco mais baixo (ainda pela fórmula das UJM, a regra era de tanque e banco formando uma linha reta) e uma posição de pilotagem mais agressiva por conta de semi-guidões e pedaleiras um pouco mais recuadas. Até então, semi-guidões ou eram coisa de pista ou de customizadores. A regra ainda era o guidãozão em uma peça única, mais alto, preso em cima da mesa superior. Esse era o protótipo denominado ED1 (de European Design 1) e que também entrou em produção.
Concepts do projeto original:
A versão 650
Sem a semi carenagem dos modelos maiores mas seguindo as linhas futuristas propostas nos concepts.
E também havia um protótipo chamado ED2, ainda mais ousado, que acabou servindo de base para a Katana, semi-carenada nas versões de 1100cc, 1000cc e 750cc, e que tirou suspiros (e cara de estranhamento pelo desenho pouco usual) de muita gente pelas ruas em 1980.
O design derivativo tanto do protótipo ED1 quanto do Ed2 não era exatamente uma novidade. O mesmo time de designers da Target, em 1979, propuseram um design futurista sobre uma MV Augusta 750s para um concurso de design promovido pela revista alemã Motorrad que perguntava qual seria o visual das motos no futuro. E foi justamente esse conceito que chamou a atenção da Suzuki quando procurava alguém para desenhar sua Katana. A semelhança da MV Augusta da Target com a Katana é claramente perceptível.
A moto que inspirou o design da Katana, uma MV Augusta 750S futurista:
Mas a Katana não não era assim tão inovadora em termos de motor e estrutura. Dividia muitos componentes da contemporânea Suzuki GS1100 que não tinha nada de diferente das suas concorrentes de outras fabricantes. Da GS1100 veio o quadro, balança, motor e rodas. A missão aqui era tentar cobrir essa estrutura antiquada para que parecesse mais moderna. Talvez aí tenha começado o que os puristas chamam de “moto de plástico” com muitas coberturas para esconder a estrutura da moto. Mas vale lembrar que, aqui, a Suzuki introduziu o conceito do piloto se encaixar, vestir a moto. Diferente das UJM até então na qual o piloto apenas “sentava” em cima de um conjunto reto e espartano.
De qualquer maneira, os detalhes deram uma cara totalmente nova ao que seria uma referência de moto esportiva dali para frente. Pequena carenagem, tanque recortado integrado ao banco e posição de pilotagem arrojada por conta dos semi-guidões e pedaleiras recuadas. Destaque para o painel onde, os mostradores de velocidade e giro, pela posição, fazem com que os ponteiros girem a partir de posições bem diferentes.
Na ocasião de seu lançamento, a Suzuki também revindicava o título, para a Katana, de moto mais rápida produzida em série. Podia até ser verdade mas a ciclística da moto, ainda um projeto antigo, dificultava as coisas. O quadro de aço igualzinho aos quadros da geração das já velinhas UJM ainda estava lá e a roda dianteira de 19 polegadas deixava o esterçamento difícil em altas velocidades. Outra crítica, por falta de costume, era o desconforto dos semi-guidões que deixavam a posição de pilotagem muito “radical”. Mal sabiam que, perto das esportivas de hoje, a Katana até que é bem razoável e confortável. O motor refrigerado à ar de quatro cilindros e dezesseis válvulas, herdado da GS1100, tinha 90 cavalos à 8500 rpm podia levar a Katana a mais de 200 Km por hora, uma marca impressionante para o início dos anos 80.
Assim como a Katana traçou definitivamente o look das esportivas atuais, foi papel da Kawasaki, 6 anos depois, ditar e definir a alma do que seriam as esportivas com o lançamento da sua primeira “Ninja” em 1986: a GPZ900R com motor quatro cilindros refrigerado à água. Você pode saber mais sobre a moto na matéria sobre a motocicleta do filme Top Gun.
Mesmo sendo uma espécie de cordeiro em pele de lobo, o legado da Katana é inegável. Ao ser apresentada aos veículos especializados seu visual gerou matérias e matérias nas quais a moto figurava ao lado de cenários futuristas, naves espaciais e coisas do tipo. Visual que a colocou naquela categoria de produtos que não tem meio termo, ou as pessoas adoravam ou detestavam. O design característico manteve-se até 1985 com o farol quadrado encravado na pequena semi carenagem. Em 1986 a Katana ganhou uma pequena reestilização que, desta vez, deixou a frente mais aerodinâmica e retirava o proeminente farol quadrado de cena. A mudança não agradou e o farol quadrado voltou no modelo 1987, o último modelo que levava o design icônico. A partir de 1988 o nome Katana passou a acompanhar as Suzuki GSX750F, no mercado norte americano, até 2006 em um design que não tinha mais nenhuma relação com o projeto original.
Dando partida em uma Katana 1982:
Em 1998, o design da Katana se consagrou oficialmente figurando entre 114 motos na exposição The Art Of Motorcycle, no museu Guggenheim, na cidade de Nova Iorque. A exposição listou as máquinas notórias pela importância histórica e excelência no design. Você pode conferir a lista completa das motos expostas aqui.
Em 1990, ocasião de 70 anos da marca, a Suzuki montou 200 Katanas 1100cc nas especificações originais do modelo 1981, todas numeradas e na cor prata. E todas vendidas no mesmo dia. No ano seguinte, dado o sucesso, fizeram mais 200 motos. Portanto, ainda existem por aí 400 Katanas de 1990 rodando por aí em uma versão exclusivíssima.
Em 2005, bebendo na fonte de inspiração da Katana, a Suzuki apresentou em Tokyo a Stratosphere, uma super motocicleta de 6 cilindros e 180 cavalos cujo design lembrava bastante a Katana. A Stratosphere nunca saiu da fase de moto protótipo.
Finalmente, em 2018, a marca relança oficialmente a moto que marcou seu tempo. Um protótipo já havia dado as caras em 2017 na Itália, na feira Eicma e, comparando, tem pouquíssimas diferenças em relação ao modelo definitivo de produção de 2018. A fabricante disponibilizou alguns teasers misteriosos até a ocasião em que a versão 2018 foi revelada.
O protótipo apresentado em 2017:
A versão moderna definitiva foi revelada no Salão de Colônia (Intermot), na Alemanha. A nova Katana tem como base o motor da esportiva GSX-R1000 com 150 cavalos e o design lembra nitidamente a moto original com ângulos e recortes e formato mais quadrado. Obviamente, tem tudo de mais moderno que uma motocicleta pode ter hoje em dia como luzes de LED, ABS, suspensão dianteira invertida e controle de tração.
Vídeo promocional da Katana 2018:
O Team Classic Suzuki construiu uma Katana para competição, com partes originais, para provas de longa duração na Inglaterra, e o resultado é espetacular. Assista:
Outra releitura impressionante vem da Icon Motorsports, famosa por incríveis customizações. Uma Katana 1982 customizada e apimentada, chamada de “New Jack”, cujo resultado é de tirar o fôlego.
Assista o vídeo da Katana “New Jack” da Icon:
A nova Katana 2018:
O resultado, como na motocicleta original, pode talvez não agradar a todos ou mesmo dividir opiniões como no longínquo 1980. Mas uma coisa ninguém pode negar, a Katana é uma moto que tem e fez história e merece de fato ocupar o lugar que ocupa no hall of fame das motocicletas. Para quem gosta da motocicleta, o que acaba sendo a decisão mais difícil é qual das duas, a original ou a nova versão, desejar na garagem. Talvez as duas.