Em 20 de maio de 1988 a Honda colocava no mercado sua mais icônica e querida big trail. Era a imponente Africa Twin que, desde o nome até as cores, evocava o espírito aventureiro da maior e mais perigosa competição fora de estrada do mundo, o Rally Paris Dakar.
O azul, o vermelho e o branco eram de fato explicitamente retirados da motocicleta protótipo de competição, a NXR 750V, criada especialmente para o rally de 1986 pela divisão de competição da Honda. A moto foi pilotada pelo francês Cyril Neveu que, com ela, venceu no mesmo ano, 1986, e também em 1987. Em 88 e 89 a big trail, com 100 cc a mais, levou o grande prêmio novamente pelas mãos de Edi Orioli e Gilles Lalay respectivamente.
Mas é preciso deixar claro que a fama da Africa Twin tem muito mais relação com o auge de popularidade da competição (o final dos anos 80) do que com exatamente o número de vitórias ao longo do tempo. Depois de 89 a Honda nunca mais venceu o rally que foi praticamente dominado pelas KTM (que vencem sem parar desde 2001). Além das quatro vitórias da NXR 750V, houve apenas uma, anterior, em 1982, com a Honda XR550.
Como não era boba, a fabricante viu em 88 a janela de oportunidade para lançar um modelo de rua inspirado em sua campeã. Até por que sua grande concorrente, a Yamaha, vendeu as XTs como água no deserto depois das vitórias no Dakar em 1979 e 1980. Apesar de obviamente não ser a mesma moto, a Africa de rua, com 650 cilindradas, mantinha a essência das motos de competição com seu motor em V, suspensões longas, aro 21 na frente e um volumoso tanque de combustível de grande capacidade. Sua concorrente direta na época, a Yamaha XT 600Z Tenere, apanhava feio. O bicilíndrico refrigerado a água da Honda gerava 57 cavalos contra os 46 do monocilíndrico da Yamaha. Mas, como em toda boa briga de vizinhos, no ano seguinte, a Yamaha revidou e lançou sua fantástica XTZ 750 Super Tenere. Claro que a Honda reagiu imediatamente e, em 1990, elevou a capacidade da Africa para 750 cilindradas pra não ficar, literalmente, para trás (não contem pra ninguém mas a Super Tenere continuou sendo superior em cavalaria e desempenho…).
Em 1992 um trip computer foi adicionado ao conjunto e em 1993 a Africa recebeu suas maiores modificações com um novo quadro, novo tanque e alterações no motor. A motoca continuou recebendo algumas atualizações até 2003 quando sua produção foi definitivamente encerrada.
Em 2016 a Honda resolveu reviver a icônica filha e trouxe de volta o sobrenome de peso na CRF 1000L, desta vez com um bicilíndrico paralelo de 999 cc, 90 cavalos de potência e com toda a tecnologia disponível dos anos 2000 como ABS, controle de tração, luzes em LED, painel em LCD e a grande novidade do Dual Clutch Transmission (veja o vídeo explicando seu funcionamento abaixo), sistema que permite a troca de marchas assistidas e de forma completamente automática.
Mas o movimento foi muito mais uma reação do que propriamente uma decisão ousada da marca que, como todo sabem, é bem conservadora. O mercado de big trails estava super aquecido com as principais concorrentes da nova Africa enchendo as ruas. Eram as BMWR 1200, as BMW F 800 GS, as KTM Adventure e as onipresentes Tiger da Triumph. A nova Africa nasceu justamente pra tentar abocanhar uma parte deste mercado.
O primeiro protótipo foi apresentado em 2014 na EICMA de Milão, devidamente mascarado em camuflagens e lama. Nessa versão não havia nem mesmo o manete de embreagem, já sinalizando que tinha novidade chegando em termos de transmissão. Em 2015 o modelo em sua versão final já dava as caras no Reino Unido e, finalmente, em 2016 era lançado mundialmente.
Hoje a Honda disponibiliza dois modelos, a CRF 1000L Africa Twin e a Africa Twin Adventure Sports. A Adventure Sports tem algumas coisinhas a mais: bolha maior e mais alta, pedaleiras maiores, tanque de maior capacidade (5,4 litros a mais), suspensões de maior curso (18 mm a mais na traseira e 20 mm a mais na dianteira), protetor de motor mais robusto, protetores de tanque e carenagens, posição de pilotagem mais elevada e uma cor exclusiva que, novamente, remete à origem do modelo nos primórdios do Dakar. Por tudo isso, a versão “top” (desculpem o termo) também é mais alta e mais pesada (tem 8 quilos a mais que o modelo “básico”). E como tudo nessa vida tem um preço, se você quiser a versão anabolizada da Africa vai ter de desembolsar uns R$ 7,000 a mais num total de R$ 64.990 contra R$ 57.990 da Africa “normal” (valores em julho de 2019). Se preferir, leve a mais barata e com os 7 contos que sobram dá pra levar também uma Honda Pop pra fazer entrega de Uber Eats. E sobram pouco mais de R$ 1.000 pra fazer um churrasco e comemorar as duas motos na garagem.
Vale lembrar que as duas versões tem uma variante chamada TE, de “travel edition”. Na Twin, por R$ 9.000 a mais você pode viver a aventura de levar pra casa (e ter de explicar) dois baús laterais e um de garupa cravejados de diamantes (a parte dos diamantes é mentira). Na Twin Adventure, a aventura sai mais em conta. Pagando R$ 5.000 a mais você leva pra casa dois baús laterais folheados à ouro. (Você entendeu né? É ironia.). Aparentemente tem algumas coisinhas a mais além dos baús milionários nas versões TE mas, no site, infelizmente, não está muito claro.
Para evitar copy paste sem sentido e contribuir para o meio ambiente, você pode conferir todas as especificações e mais fotos em detalhe dos dois modelos no site da Honda.
Dentro da linha monótona de design da Honda (mas quase sempre de muito bom gosto e equilíbrio), a nova Africa é seguramente uma das motocicletas mais bonitas da linha atual disponível ao consumidor. Fora ela, vale destacar a bem vinda ousadia estética na nova CB1000R. Só resta saber se a recente encarnação vai se tornar, no futuro, uma clássica tão admirada e desejada assim como foram as suas antecessoras (a versão de 1988 é disputada a tapa e dedo no olho por admiradores e colecionadores hoje em dia).
E a pergunta que não quer calar: será que a Africa Twin “millennial” aguenta um Dakar sem reclamar? Nunca saberemos.