A moto de média cilindrada Himalayan da Royal Enfield é mais do que uma motocicleta. Mas calma lá! Antes de surtar, entenda que apesar de seu projeto ser algo bastante comum, é a história da motoca e o propósito maior para o qual ela foi criada que faz da pequena aventureira algo muito além e mais interessante do que uma mera motocicleta.

A Himalayan é o primeiro produto de uma decisão importante de negócios da subsidiária do grupo Eicher Motors que, nos últimos anos, tem colocado em prática o plano de expandir globalmente, liderar o setor de média cilindrada e tentar tornar o motociclismo mais acessível. Para isso, uma nova fábrica foi preparada com novos e mais modernos meios de produção e a primeira motocicleta a nascer desse esforço foi justamente a Himalayan.
Considerando que os modelos de média cilindrada, de uns tempos para cá, foram cada vez mais escasseando por aqui, talvez a estratégia faça sentido em países como o Brasil. De qualquer maneira, é bom lembrar que outras montadoras acordaram pra esse mesmo nicho há pouco tempo, lançando versões menores de 300cc a 400cc de seus modelos maiores que já faziam sucesso. Dois exemplos, no mesmo nicho de pequenas aventureiras, são a Kawasaki Versys x-300 e a BMW G 310 GS.
Apesar de chegar no Brasil em 2019, a moto já rodou muito chão desde 2016 quando foi lançada no mercado interno indiano. Sua grande novidade é de fato ser uma moto completamente nova diante da até então estratégia de manter uma gama de motocicletas oriundas de um mesmo motor e estrutura vindos de um modelo base, a Bullet 500. Tudo na Himalayan é novo. O motor foi construído do zero e apareceram novidades como o radiador de óleo (para prolongar a vida útil do fluído e aumentar os intervalos de manutenção) e ABS de linha.



Muita gente pode torcer o nariz pro visual da moto que passa longe do design típico que o brasileiro gosta por aqui. Mas quem desenhou a Himalayan (ou ao menos liderou o time de design) foi o sul africano Pierre Terblanche que já passou pela Cagiva sob a tutela de Massimo Tamburini (considerado o Michelangelo das motos) onde desenhou as Cagiva Canyon 600 e 900.
Pierre também trabalhou para a Ducati desenhando modelos icônicos (e polêmicos) assim com passou pela Piaggio, Moto Guzzi, Norton e até pela excêntrica (e de gosto duvidoso) Confederate Motors, onde projetou uma moto chamada Hellcat X-132. Saindo da Confederate, foi justamente chamado para a Royal Enfield em 2014 já como parte do plano de expansão global da marca. Porém, pediu demissão pouco mais de um ano e meio depois.


A propósito, é de Pierre um dos designs mais legais da Ducati. Nada mais nada menos que a Sport Classic 1000 que infelizmente jamais veio para o Brasil. Mas todo mundo tem seus altos e baixos e Pierre também desenhou a esquisitíssima primeira Multistrada, além de outras bolas foras. Na verdade é na Ducati onde Pierre desenhou mais modelos. De sua caixa de canetinhas saíram também as italianas: Multistrada (2003), Hypermotard, Supermono, 900SS (99), MHe900, 749 e 999.





A MHe900 é um caso curioso. Entra na categoria de designs esquisitos de Pierre. Mas a motoca foi um sucesso. Era uma homenagem ao lendário piloto Mike Hailwood e a sua Ducati com a qual conquistou o primeiro lugar na Ilha de Man em 1978 após 11 anos afastado das competições. A moto teve apenas 2000 unidades produzidas e era vendida somente pela internet. Em primeiro de janeiro de 2000, as 1000 primeiras unidades foram vendidas em questão de poucas horas.

Os detalhes técnicos da Himalayan você encontra facinho no site da própria montadora e espalhados pela internet afora. Mas, em termos simples e objetivos é uma motocicleta espartana, robusta, de 411cc com cara, tamanho e desempenho de 250cc em um projeto bastante simples. Tem 24,5 cv, quase cinco a mais que uma Tenere 250, por exemplo.
Mas o barato das Royal não é a cavalaria. É elasticidade do motor em forma de torque espalhado na maior faixa de rotação possível. Por que o objetivo da moto é ser a mão, confortável e confiável na tocada e gentil com pilotos inexperientes. Lembra da história de tornar o motociclismo mais acessível? É mais ou menos por aí. E também o é em termos de preço. Em 2019 o preço é de R$ 18.990, valor que fica mais ou menos no meio do caminho dos valores de supostas concorrentes mais baratas (como a Tenere 250 e XRE 300) e as mais carinhas como a Versys 300 e BMW G 310 GS que estão ambas acima dos 22 mil dinheiros. Claro, é um comparativo de preços meio burro já que apesar de parecidas, as motos e as marcas são e tem propostas diferentes (apesar da similaridade do estilo da moto). O cidadão que vai atrás de uma GS 310 provavelmente é o cara que jamais vai cogitar uma Royal “das montanhas” por que sabemos que tem muita gente que compra o status da marca. Posto isso, o BMW guy e o Royal guy são de planetas diferentes e nunca vão se encontrar na vida. Ou vão e aí o universo acaba em um buraco negro.
E a gente sabe que cada marca tem seu marketing. E já estamos carecas de saber que, assim como não se dá carona pra estranhos (não vale pra motorista de Uber), também não se pode cair cegamente em papo de marketeiro. Afinal, o trabalho dos caras é tentar vender e fazer o produto parecer a coisa mais linda e maravilhosa do mundo e que você precisa dele agora já. E como a gente não é o Homer Simpson que compra tudo que vê na TV, precisamos entender que toda moto com vocação trail e aventureira, de qualquer marca, vai ser vendida como a moto ideal para fazer a volta ao mundo e conquistar todas as glórias dessa aventura. Mas o que todo motociclista sabe é que dá pra dar a volta ao mundo em qualquer motocicleta. A única diferença é o nível de conforto e tecnologia que o candidato a Phileas Fogg vai exigir e o quanto isso vai pesar ou não no seu saldo bancário.
E é justamente aí que entra o pulo do gato da Royal Enfield. O mote da campanha da Himalayan, assim como seu próprio nome, te dizem mais ou menos o seguinte (traduzido de vídeos de encher os olhos e discursos de vendedores): olha, não é preciso uma moto p… das galáxias pra fazer aquela aventura louca de subir a montanha ou cruzar as Américas. Tem essa motoca aqui que pode sim fazer isso e gente pensou e planejou ela pra você que não quer deixar as calças, as cuecas e os dois rins na concessionária e que não faz questão de cruzar aquele deserto com tecnologia de ponta que só falta falar. Basicamente eles traduziram o que falamos ali em cima: dá pra dar a volta ao mundo em qualquer moto. E acrescentaram: e essa aqui, com nome de montanhas, a gente pensou pra isso.
Pegue por exemplo o mote da BMW G 310 GS, eles falam em “aventura do dia a dia”. A Royal foi lá, meteu o louco e falou, você pode usar essa motoca aqui pra se aventurar do jeito que quiser. E de fato a moto mostra isso com o básico do básico para os pretensos aventureiros que não fazem questão de luxo. Tem estruturas pra amarrar galões, mochilas e tranqueiras, painel completo com odômetro parcial pra fazer contas de reabastecimento (tem até bússola), escape alto, pneus de uso misto, ABS e ausência de plásticos pra todo lado, deixando tudo acessível e a mostra pra um reparo de emergência para o qual não se precisa desmontar a moto inteira pra chegar num filtro de ar ou bateria. Além disso, tem banco baixo pensando nos baixinhos! E isso, de certa forma, é bacana. Sendo marketing ou não, sem querer ou não, a Royal está desmistificando o universo das motos aventureiras e tentando mostrar ele como algo mais simples, fácil e barato, em todos os sentidos. Isso fica muito claro em uma matéria bem bacana da Cycle World que vale a pena ler (em inglês).

Um parêntese. É impressionante a qualidade e o primor do material audiovisual produzido pela Royal desde o início de sua empreitada na tarefa de conquistar o mercado global. Assista o vídeo da Himalayan ali embaixo pra ver do que estou falando.
Obviamente que todo mundo que cogitar uma Royal não vai dar a volta ao mundo ou subir o Everest (na verdade esse só a pé). A moto, assim como as outras trails de média cilindrada, é ideal pra esse nosso brasilsão onde as ruas e estradas são, geralmente, ruins de doer. O único porém ainda é o fato da marca ter uma única loja na capital de São Paulo. Isso deixa muita gente com um pé atrás por conta de peças, garantias, manutenções, etc. Mas a marca promete que no ano de 2019 vai expandir sua operação pra outras capitais além da terra da garoa.
A Himalayan, em sua terra natal, ainda em 2016, enfrentou alguns problemas que, aparentemente, diziam respeito as primeiras motos entregues para o mercado interno indiano (versões carburadas e não injetadas). Houveram significativas reclamações sobre baixa qualidade de alguns componentes. Algumas delas resultando em processo contra a fabricante por parte de consumidores (uma com causa ganha pelo consumidor insatisfeito) e até mesmo petições online. A montadora, no lugar de se fazer de surda muda, ouviu as reclamações, se retratou e tratou de oferecer troca de peças, revisões e até mesmo estender a garantia. Os modelos para exportação, os que vem para cá, já foram devidamente corrigidos. Portanto, pode ficar tranquilo se tomou conhecimento destas histórias por aí.
Se você quiser saber como anda a Himalayan, vale muito a pena dar uma espiada no canal do Youtube chamado Guilherme Moto Relax do motociclista Guilherme de Freitas que é um entusiasta da marca e praticamente um embaixador informal da marca no Brasil. Ele inclusive foi a Índia e rodou bastante com a Himalayan e registrou tudo em seu canal.
Aqui está o vídeo das primeiras impressões dele ainda na Índia:
Outro lugar que vale frequentar se você tem algum interesse na nova opção no Brasil é o grupo no Facebook dos fãs da marca. Lá tem muita gente tirando dúvidas e relatando suas experiências com as motocas da marca. Afinal, nada melhor que opinião de quem tem a moto já que opinião da própria marca, obviamente, vai ser sempre parcial.
Outra coisa legal que vale dar uma espiada é o material sobre o desenvolvimento da moto pela própria Royal. Eles sempre produzem muita coisa bacana e disponibilizam online pra quem quiser ver. Lá dá até pra ver um patinho feio que é a primeira versão da moto que, segundo contam, era um protótipo completamente ajustável em geometria e detalhes para escolher a melhor configuração final. Confira nos vídeos abaixo:
Agora só resta saber se a motoca vai cair no gosto do brasileiro que a gente sabe que é um público, em se tratando de motocicleta, bastante difícil mais por questões culturais do que por conhecimento técnico. De qualquer forma, a Royal sabe muito bem que seu público aqui no país não é exatamente todo mundo. Eles sabem que estão em um nicho de potenciais consumidores que tem uma cabeça um pouco diferente, mais racional, menos passional e menos sujeita a modismos e tendências.
Assim que a gente tiver a chance de andar na motoca, contamos por aqui. Mas você já pode dar uma olhada na internet afora pois muitos jornalistas, youtubers e influencers já foram convidados a testar a moto e já estão deixando suas opiniões nessa internet sem porteira.
Adendo! : )
Como os editores deste modesto site trabalham em planos existenciais diferentes, enquanto essa matéria era escrita, o Victor Marinho, criador do Motocultura, estava andando na motoca e publicou um vídeo em nosso canal do Youtube com as impressões de pilotagem e mostrando alguns detalhes. E por incrível que pareça, eu escrevendo daqui e ele andando de lá, falamos mais ou menos a mesma coisa. Somos telepatas. Aperta o play e confere:
2 thoughts on “Royal Enfield Himalayan”