Harley-Davidson XLCR – A cafe racer de fábrica da Harley

Quem assistiu ao filme Chuva Negra, no final dos anos 80, deve se lembrar que o personagem de Michael Douglas andava para todo lado em cima de uma Harley enigmática que não parecia exatamente uma Harley usual. Pois tratava-se de um projeto dos anos 70 cuja ideia era uma Harley na pegada cafe racer. O projeto foi muito mal recebido em função de suas falhas mas não deixou de, mesmo assim, transformar a moto em um desejado item de colecionador.

O projeto veio da cabeça de ninguém menos que Willie G. Davidson, neto de  William A. Davidson, co-fundador da Harley em 1903. Willie entrou para o departamento de design da Harley em 1963 e, antes disso, havia trabalhado também com design na Ford Motor Company. Em 1969 foi promovido a vice-presidente de estilo dentro da Harley e foi nesse período que nasceu o projeto da XLCR, para ser mais exato em 1977. Rumores dão conta de que o projeto nasceu de uma Sportster de uso pessoal do próprio Willie. Além dele, também participaram Bob Modero (engenheiro da Harley) e Jim Haubert contratado como um consultor independente.

XLCR: Harley cafe de fábrica
Escapamento saindo pelos dois lados

O ponto de partida foi aumentar o tanque de uma XR-750 flat track de 1970, além disso o quadro era uma mistura da Sportster (na frente) com o quadro da própria XR-750 (atrás). A moto ganhou uma pequena carenagem, escapamento saindo dos dois lados da moto e uma traseira com um aspecto de flat track.

A moto foi muito mal recebida pelo público em função de seus problemas de geometria e, consequentemente, performance apesar do motor de 998cc. Foi um caso típico de erro de design muito comum: forma sobre função.

Parte da inspiração: XR750 flat track

O motor era o mesmíssimo motor de quatro marchas utilizado nas Sportster com a mesma taxa de compressão de 9:1, mesmo carburadores e com a mesma potência de 61bhp a 6.200 RPM.

Apesar do público da Harley naturalmente torcer o nariz para moto, pelo fato de passar longe de uma Harley típica em termos de visual, e do fracasso de vendas, anos depois, justamente por toda sua história e insucesso, a moto tornou-se um desejado item de colecionador. A partir dos anos 2000 não era difícil encontrar exemplares arrematados em leilão com valores entre 10 e 20 mil dólares.

O painel da XLCR

Em 89 o filme policial Black Rain,  de Ridley Scott, colocou a moto nas mãos do personagem principal, o policial Nick Conklin, interpretado por Michael Douglas, inclusive com uma cena provocativa, logo no início, onde a Harley cafe racer disputa um racha contra uma Suzuki GSX 1100 F 1988. Pode ser que o fato tenha contribuído para o “sucesso” tardio da XLCR já que a moto é presença constante na primeira metade do filme. Curiosamente, todo o material de divulgação do filme mostra Michael Douglas em cima de uma Suzuki GSX-R e não da Harley XLCR.

Michael Douglas na foto para o poster do filme: estranhamente sobre uma Suzuki GSX-R
Pega entre a XLCR e uma GSX-F. Quem vencerá? Assista ao filme!

O filme inteiro tem muitas referências a motocicletas mostrando, entre outras cenas, uma perseguição em terreno off-road com Suzukis RH 125X além de Suzukis GSX-R e grupos de bosozokus atuantes no Japão (braços da máfia japonesa). Aliás, se você curte um bom filme policial e motos, é uma ótima pedida.

O enredo conta a história de um policial sendo investigado por má conduta pela corregedoria e que acaba capturando, em solo americano, um membro da Yakuza, a máfia japonesa. Sua missão é levá-lo e entregá-lo as autoridades japonesas. Mas nesse meio tempo, o criminoso foge e o policial Nick Conklin acaba ficando no Japão junto com seu parceiro, interpretado por Andy Garcia, para auxiliar na recaptura.

Michael Douglas e Andy Garcia tendo problemas com os membros da Yakuza sobre duas rodas.
Pega de Suzukinha 125
Bosozokus fora do padrão: no lugar das cores berrantes e customizações de gosto duvidoso entram motos negras, principalmente de uso misto.

O filme faz um contraponto interessantíssimo da diferença gigantesca entre a cultura americana e a cultura japonesa mostrando o contraste entre o típico cowboy macho man americano, que resolve tudo sozinho sem se preocupar muito com as consequências, e o senso de responsabilidade e coletividade japonês, muito bem retratado no simpático personagem do policial japonês Masahiro, que é o responsável principal pela investigação e recaptura do mafioso. Além disso, mesmo que superficialmente, o filme faz uma crítica sutil à atrocidade e estupidez das bombas atômicas americanas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki no final da Segunda Guerra Mundial. Inclusive, é daí que vem o nome do filme, Chuva Negra, em uma referência à típica chuva de material contaminante de cor escura que acontece depois de uma explosão nuclear.

 

Confira o inicio bacana do filme, onde a XLCR já toma conta da tela.

Propagandas de época da XLCR

Apesar de todos os seus problemas, a moto não deixa de ser bonita e interessante pela sua história e suas características excêntricas em uma mistura, talvez indigesta pra alguns, de custom, cafe racer e flat track. Como a maioria de nós mortais provavelmente jamais verá uma ao vivo ou mesmo poderá ter uma delas na garagem, vale a pena pelo menos assistir ao filme para vê-la em ação como uma charmosa coadjuvante.