Em uma rua tranquila no coração do bairro mais boêmio da cidade de São Paulo, Vila Madalena, vive e trabalha um simpático uruguaio que veio para o Brasil com a ideia de trabalhar com sua paixão: motocicletas. Sebastián Rochón herdou o gosto pelas motos e motores de seu pai, veio para o país apostando seu futuro, ficou só com as roupas do corpo, passou por imensas dificuldades e, com foco, trabalho e determinação, deu a volta por cima. Hoje comanda uma oficina competente e prestigiada que especializou-se em motocicletas de alto padrão oriundas do mercado Europeu.
Sebastián nos recebeu em sua oficina e, entre café, chimarrão e bolachas uruguaias que lhe trazem lembranças da infância no sul, contou sua história, sua percepção sobre nosso país, sobre seu trabalho, dificuldades e dicas para quem pensa em entrar nesta área profissional.

Motocultura: Você não é brasileiro certo? Como você veio para cá e como tudo começou?
Sebastián: Nasci e cresci no interior do Uruguai. No começo dos anos 2000, mais ou menos, a pessoa para quem eu trabalhava estava com a ideia de sair do Uruguai. Eu estava muito bem, empregado, ganhando razoavelmente bem e nem imaginava sair de lá. Mas, ao mesmo tempo, recebi uma proposta para vir para São Paulo, para trabalhar com motos. Foi tudo muito rápido. Cinco dias depois de receber a proposta, depois de falar com meu pai e avisar que viria para cá, eu já estava por aqui.
Cheguei em um sábado. Na segunda resolvi toda a burocracia e na terça já estava trabalhando para uma pessoa que já havia trabalhado muito tempo com motos BMW. Quatro meses depois voltei para o Uruguai para renovar visto e ver minha família e já estava adorando São Paulo. Já estou aqui há mais ou menos 15 anos, me naturalizei e me sinto paulistano. Como vim do interior do Uruguai, que eu adoro, me parece tudo muito calmo, calmo demais até, aí acabo ficando com saudade daqui já que foi aqui que praticamente construí minha vida.
Motocultura: Mas você já trabalhava com motos no Uruguai?
Sebastián: Não. Lá trabalhava com carros de competição. As motos eram apenas um hobbie desde garoto.
Motocultura: E como começou essa sua história com as motos?
Sebastián: Meu pai trabalhava com competição e carros. Além de mecânico era ótimo com tipos e pincéis. Inclusive era ele que pintava os números do carro de um amigo que competia. Me lembro que era o número 27. Assim, cresci nesse ambiente de autódromos e corridas. Aos 12 anos meu pai já me emprestava uma moto que ele tinha por lá para dar uma voltas. Quando eu tinha 15 anos, um primo de minha mãe me convidou para competir de moto, para correr e ai foi a primeira vez que participei de uma competição em duas rodas. A partir deste ponto, foi natural o interesse pela mecânica e preparação da própria moto. Mas era algo quase como uma brincadeira, aquela coisa de ouvido de ouvir e saber que o motor estava bom ou ruim. Apenas depois dessa experiência que eu realmente comecei a estudar mecânica de verdade pois havia entendido e descoberto o que eu queria. Comecei a estudar mecânica na minha cidade, mas havia um programa do governo que subsidiava os estudos em Montevidéu. Acabei me inscrevendo e me chamaram. Lá estudei formalmente durante quatro anos de curso. Depois de formado, acabei trabalhando com isso por dois anos no Uruguai, até receber a proposta de vir para cá.



Motocultura: E como foi a questão de abrir a sua própria oficina? Você já tinha a ideia de abrir um negócio próprio?
Sim, sempre. Quando cheguei no Brasil, havia acabado de sair de um curso de mecânica de 4 anos. Eu não tenho conhecimento de que aqui exista algum ensino formal dirigido nesse sentido e que tenha essa duração. E, consequentemente, estava com a cabeça cheia de conhecimento e novidade. Na minha formação tive inclusive desenho técnico! Hoje em dia me parece que os mecânicos são formados para empresas específicas, principalmente depois da invasão de marcas japonesas. Além disso, acredito que não há algo no sentido de formar a pessoa para abrir seu próprio negócio e, de fato, aprender a resolver os problemas. Atualmente existe o mecânico que troca peças, sem pensar muito.
Depois de um tempo na primeira oficina, aqui no Brasil, percebi que precisava ganhar um pouco mais e, na ocasião, fui chamado para um entrevista na Kawasaki. Mas sempre tive minha paixão que eram as Ducatis. Eu sabia tudo de Ducati, mesmo sem nunca ter mexido em uma. Um coisa curiosa é que, assim que cheguei em São Paulo, um amigo me levou até uma oficina famosa e enorme na época e foi lá onde tive meu primeiro contato com uma Ducati e, curiosamente, era a número 001 da Ducati 916 desenvolvida em parceria com o Airton Senna, a qual ele ajudou a desnvolver! Foi uma coisa que de certa forma me marcou.
Nota: a 916 que Sebastián teve contato é a moto que hoje está no Instituto Ayrton Senna.
Por todas os lugares onde passei eu enxergava uma oportunidade de aprender cada vez mais. As pessoas tinham que me mandar embora para casa por que eu ficava depois do expediente estudando, pesquisando, fuçando e tentando aprender mais. Almoçava rapidinho e acordava super cedo por que queria aprender e trabalhar sem parar. Essa é a parte boa de ser estrangeiro em um país que você não conhece. Eu não tinha amigos, não tinha família por perto, não tinha grana e meu foco era total e completo naquilo: mecânica de motos. Foi também nessa época que me envolvi aqui no Brasil com competição. O dono da oficina onde eu trabalhava competia e comecei também a trabalhar nesse ambiente das pistas só que desta vez aqui em São Paulo. Mas depois de um certo tempo eu não estava feliz. Estava descontente com algumas coisas em relação ao lugar e não pensei duas vezes. Pedi as contas sem ter nada em vista. Fui chamado de arrogante. Acho que é assim que tem que ser, se não está feliz, tem de partir para outra. O curioso é que logo depois fui fazer uma entrevista justamente naquele lugar onde conheci a Ducati do Senna e tinha achado o lugar uma oficina incrível e super completa. Quando cheguei, as motos estavam paradas há um mês por que a pessoa que trabalhava nas motos tinha sumido. Me perguntaram se eu já havia mexido com Ducati. Eu falei que não, que não tinha experiência alguma mas que se tivesse o manual na mão, eu aprenderia. Propus até que fizessem um teste. Gostaram da minha sinceridade e acabei entrando. Mas oficina era multimarca e, naquela época, as coisas começaram a não ir muito bem até que o lugar acabou fechando as portas. Com isso, fui parar novamente nas corridas e competições até que um antigo cliente começou a conversar regularmente comigo e entramos numa iniciativa de começar a trazer peças e abrir outra oficina, Ele havia trazido a Bimota para o Brasil e foi aí que tudo começou. A Bimota deu certo e como utilizava motor Ducati, a oficina começou a atrair também os clientes Ducati. Eu era o sócio que só entrava com o trabalho, principalmente com o foco nas Bimotas e Ducatis. Essa foi a fase final onde decidi que seria meu último emprego e, dali em diante, eu trabalharia para mim mesmo. Até por que eu tinha isso muito claro na minha cabeça. Tinha comigo que até os trinta anos eu trabalharia para os outros mas, depois disso, iria ter meu próprio negócio. E, finalmente, saindo de lá, abri minha oficina.
Motocultura: Então você abriu sua oficina e começou a trabalhar apenas com as Ducati?
Sebastián: Não! Trabalhava com tudo. Menos Harley (risos). A questão é que as Harley são muito diferentes. Mecânica diferente, medidas diferentes, tudo diferente. É outra mecânica e inclusive outra cultura de motociclismo. Os Ducatistas querem mexer na moto pra ganhar desempenho, para correr, tirar o máximo da máquina. Já a cultura da Harley é aquela coisa de customizar, colocar cromados, uma sirene, umas caveiras e eu nunca tive essa pegada. E sempre entendi que quem mexe com Harley, mexe só com Harley e justamente por isso eu decidi o contrário, que mexeria com tudo menos Harley. Até por que tem especialistas no assunto e eu não vou me meter. Aqui perto tem o Chis (da Oficina Garagem Metallica) que só mexe com Harley e quando aparece algo por aqui eu indico para ele. Sendo bem sincero, eu não gosto de Harley e, pra completar, não tenho conhecimento e nem ferramental para tal e como tem quem conhece, gosta e trabalha com isso, não faz sentido algum eu entrar e atuar nesse nicho.
E na época da história com as Bimotas também começamos a representar no Brasil várias marcas italianas e europeias de componentes de alto desempenho para motocicletas. Coisas como, por exemplo, freios Brembo e tantas outras marcas e, por isso, o caminho para as motos europeias foi natural. Nessa fase acabei viajando muito para o exterior para fazer cursos e me especializar justamente nestes componentes. Componentes que estão todos presentes nas Ducati.
Motocultura: E dá para viver disso? Viver de mecânica de motocicletas, de certa forma, de luxo?
Sebastián: Olha, eu acho que oficina em geral dá dinheiro para o mecânico, mas não para o empresário. Os custos de manter uma oficina bem equipada são muito altos. Mas se trabalhar com comprometimento e honestidade, sabendo da parte difícil, sempre tem trabalho. É preciso encarar de frente, estudar, admitir os erros. Por exemplo, apareceu uma moto aqui para trocar pastilhas. Por um erro nosso, o tanque da moto saiu com um pequeno arranhão. Fomos lá e fizemos o tanque inteiro sem cobrar um centavo, coisa que era no mínimo, nossa obrigação.
Motocultura: Você também começou a trabalhar com customização. Você encara isso como eventual ou acaba sendo também uma atividade principal da sua oficina?
Sebastián: Eu adoro essa parte! Se hoje eu pudesse trabalhar com customização e trabalhar apenas com isso em algum lugar do interior, faria isso fácil. Até pela questão do custo menor de um lugar fora dos grandes centros. Fazer uma moto inteira é muito mais gratificante do que montar um motor padrão de fábrica, por exemplo. É algo que dá muito tesão. Mas percebi que é algo que não dá exatamente dinheiro mas dá uma enorme satisfação. Hoje eu tenho uns cinco projetos aqui nesse sentido.
Acho incrível fazer algo sair do papel e se transformar em uma moto. E acho que o tesão por fazer acaba compensando a questão de talvez não compensar financeiramente.
Motocultura: Seu comentário é interessante pois no meio da customização se fala muito que só customização não enche barriga e não sustenta ninguém. E parece que existe um problema crônico no que diz respeito a tocar a customização como um negócio. As motos, tecnicamente, saem, mas todo o resto, como a gestão do projeto, é problemática, principalmente no que diz respeito a prazos. O que você acha disso?
Sebastián: Eu acho que é uma questão de encarar as coisas profissionalmente. Largar mão da latinha de preto fosco e de cortar para-lamas e nunca se especializar, se organizar e se equipar. Um caso que eu admiro é do Shibuya Garage pois são motos que saem com a assinatura do seu criador, o Teydi Deguchi. As pessoas pagam por uma moto assinada. No Brasil, tirando poucos exemplos como o Shibuya, ainda não chegou-se num patamar como o lá de fora. É preciso se equipar e se especializar e, claro, isso tem um preço. Se quer ser reconhecido, faça um trabalho decente em todos os sentidos.
Motocultura: Como você comentou antes, sobre as fábricas formarem mecânicos robôs trocadores de peças, você acha que ainda existe espaço para esse mecânico multimarcas ou ele esta sumindo?
Sebastián: Acho que tem espaço para todo mundo, desde que se trabalhe do jeito certo. Muita gente trabalha com desleixo, sem cuidado, adaptando coisas porcamente e fazendo tudo de qualquer jeito e isso é ruim pra todo mundo. Até por que tem muito mecânico aventureiro que assim que aparece alguma outra coisa que ele ganhe um pouco mais, ele sai correndo e vai fazer essa outra coisa. Se tem gente que trabalha da forma correta, eu acho ótimo. Nossa oficina tem cinco anos e nunca faltou trabalho.
Motocultura: Voltando à customização que é um assunto que você gosta. O que você acha do cenário nacional? O que é bom e o que é ruim?
Sebastián: A pior parte aqui é a falta de ferramental. Os customizadores tem de tirar leite de pedra com uma infra-estrutura mínima ou precária. Lá fora você tem equipamento para tudo, coisa impensável aqui. E aqui tem coisas que ainda são impossíveis pela falta de ferramentas ou pelo preço proibitivo delas. Além disso, tem a falta crônica de peças. Qualquer moto mais antiga é um pesadelo encontrar peças pois elas somem do mercado. Outra coisa que acho complicada é a falta de originalidade. Tem muita cópia por aqui. Eu prefiro alguém que tenha uma ideia original e faça essa ideia acontecer do zero sem copiar de ago que viu na internet.
A Bendita Macchina foi incrível no sentido de se abrir para um novo mercado, o das motos pequenas. Não é mais coisa de “bacana” de moto grande e cara. E isso é uma das partes legais. Tem pra todo mundo.
Motocultura: Você é piloto também não é?
Sebastián: Sim, já participei de várias competições como mecânico e como piloto! A oficina também é uma equipe e já conquistamos algumas coisas. Trouxemos as primeiras Ducati Panigale direto de Miami para competir por aqui. Corri de Supermoto no campeonato paulista e acabei até virando instrutor de pilotagem. Participamos das 500 milhas de São Paulo e este ano estou participando do brasileiro e paulista de Supermoto.
Motocultura: Aliás, você tem inclusive uma tatuagem que tem muita relação com sua história com as competições desde o tempo do seu pai. Conte sobre ela.
Sebastián: É o número 27 que é o dia do nascimento do meu pai, assim como era o número que meu pai pintava no carro de competição no qual ele trabalhava no começo. O número imita também o estilo gráfico do número da moto do piloto Casey Stoner, que deu um título inédito no Moto GP justamente para a Ducati. Só que no lugar da bandeira australiana de Stoner, eu tenho a bandeira do Uruguai.

Motocultura: Você é jovem mas já tem um imensa bagagem e história profissional. Sendo assim, o que você falaria para as pessoas que querem entrar nesse área já que, dado esse boom das motocicletas, tem muita gente interessada em seguir essa profissão.
Sebastián: A palavra é investimento. Em todos os sentidos. Um exemplo: eu mesmo já percebi que as pessoas ficam temorosas de ter e manter uma moto diferente com medo da falta de peças. Percebi isso e resolvi montar um negócio de venda de peças pra justamente resolver essa questão. É muito nesse sentido, não só investimento de dinheiro mas de conhecimento, especialização e entendimento do que é o seu negócio como um todo. Existe um ditado por aqui e que, infelizmente, eu tenho de concordar, que mecânico e pedreiro é tudo a mesma coisa, no mau sentido. Eu tenho carro! E eu não sei até hoje onde levar meu carro por conta da má fama dos mecânicos! E eu me coloco nesse lugar, o do cliente.
Tem que investir. E tem muita gente que faz o mesmo trabalho a vida inteira, não estuda, não se especializa, não se atualiza, não se interessa. E não é só mecânica! Eu estou estudando Photoshop! Por que eu quero aprender a colocar os projetos no “papel” antes de sair cortando chapa de aço! Quero fazer umas camisetas legais pra oficina e também vou atrás de aprender a fazer. É algo além da oficina e da parte técnica.
Eu vejo muita gente conformada, acomodada. As vezes você nem vai ganhar mais por investir em conhecimento mas você vai atender melhor e oferecer algo mais completo e isso é o que vai fazer os clientes voltarem. Eu não entendo, as pessoas não querem estudar, não querem pesquisar, tem preguiça. Muita gente me liga querendo a solução pronta. Você da a dica e o caminho e as pessoas não se mexem pra resolver. E não é questão de não ter oportunidade. Claro, a oportunidade ajuda e parte também é sorte, mas grande parte também é correr atrás, investir tempo e estudar. Investir em tudo que diz respeito ao seu trabalho, mesmo as coisas que não são exatamente mecânica.
Motocultura: Muito obrigado pela entrevista e parabéns pelo seu trabalho, história inspiradora e visão tão clara do que você faz e acredita ser o correto.
Sebastián: Eu é que agradeço!
Uma pequena, e importante, parte da história foi contada em off e não consta na entrevista mas Sebastián não tem problema algum em falar dela. Em algum momento entre uma oficina e outra aqui em São Paulo, Sebástian foi atingido por um duro golpe. Perdeu seu pai, ficou sem trabalho e sem ter onde morar, tudo ao mesmo tempo. Mas como dá pra perceber, não se deixou abalar e com a ajuda de amigos se reergueu e continuou em frente para chegar no lugar onde está hoje.
Alguns dos trabalhos de customização da SR
Ducati 999
Modificada, preparada e construída pela SR Corse em uma street fighter
Ducati Cafe Racer
Uma Monster SR4 sendo convertida em cafe racer. Ela é protagonista da web série de Motocultura sobre customização.
SERVIÇO
SR CORSE
http://srcorse.com.br
Rua Isabel de Castela, 106
Vila Madalena – São Paulo/SP
Telefone 1: (11) 3903-5968
Telefone 2: (11) 7744-7199
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